quarta-feira, 13 de agosto de 2008

É faculdade, mas parece colégio

> Revista IstoÉ, Edição 2023

Imaturidade emocional e despreparado intelectual dos alunos fazem as universidades se comportarem como escolas

Por CLAUDIA JORDÃO E VERÔNICA MAMBRINI

Alunos chegam atrasados, conversam durante a aula e colam na prova. Educadores, por sua vez, distribuem advertências, expulsam de classe, ligam para os familiares e agendam reuniões de pais e mestres. Há cinco anos, relações nesse nível, envolvendo professores, estudantes e seus respectivos responsáveis, eram exclusividade do ensino médio. Hoje, no entanto, esse é o tom em muitas faculdades privadas Brasil afora. E não é apenas a falta de preparo emocional que leva o clima de colegial para os corredores da faculdade. Os calouros chegam com déficit de aprendizado e várias instituições têm oferecido disciplinas como português, matemática e informática com conteúdo do ensino médio. Situações como essas mostram que a universidade está deixando de trazer consigo a simbologia de rito de passagem da adolescência para a vida adulta e se transformando numa continuação do colégio. "Percebemos que os alunos chegam cada vez mais jovens, imaturos e com problemas de formação básica", atesta a professora Vera Lúcia Stivaletti, pró-reitora de graduação da Universidade Metodista de São Paulo. Com a chegada desse "novo jovem", a educadora adaptou a instituição. Desde 2007 ela recebe pais para visitas guiadas ao campus e oferece aulas de português, matemática, informática e biologia. A resposta tem sido positiva. "Quando minha mãe veio para a reunião, meus colegas disseram que eu deveria ficar com vergonha. Mas eu acho legal", confessa Gabriela Schiovan, 17 anos, aluna de psicologia. Sua
mãe, Sandra, 47, monitora as notas da filha. "É preciso complementar a faculdade", considera. Em instituições como a Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM), em São Paulo, a participação paterna é incentivada antes mesmo do vestibular. Há seis anos ela organiza o "ESPM Experience", um dia voltado para o debate de cursos e mercado de trabalho. "Depois que os alunos são aprovados, organizamos reuniões com os pais e professores", diz Alexandre Gracioso, diretor nacional de graduação da ESPM. Lá e na Fundação Educacional Inaciana, em São Bernardo (SP), os pais são bem-vindos inclusive no dia do vestibular. Enquanto os alunos fazem a prova, eles vivenciam uma "inclusão acadêmica", com visita monitorada, palestras sobre o curso, carreira e mercado de trabalho. "Tentamos mostrar que aqui tratamos o aluno como um futuro profissional", diz Rivana Marino, vice-reitora de Extensão e Atividades Comunitárias. Mas essa participação tem limites. "Muitos pais ligam para saber de notas, mas acho isso prejudicial para os filhos", diz Gracioso, da ESPM. Ao mesmo tempo que lidam com a imaturidade emocional, as universidades enfrentam o problema do despreparo intelectual. Grande parte dos alunos de primeiro ano chega ao ensino superior sem condições de aprender as novas disciplinas. O problema atinge principalmente jovens vindos de escolas públicas que vão para faculdades privadas inauguradas na última década. De 1997 a 2003, o ensino superior privado no País viveu um boom.
Nesse período, o total de novos alunos cresceu 150% - de 392 mil para 1 milhão. Migraram para essas novas instituições jovens que não pontuavam em universidades públicas ou particulares de tradição. A solução foi criar, em caráter obrigatório e extracurricular, aulas com conteúdo de ensino médio. Na prática, transferiu-se para o curso superior o problema da péssima formação do aluno. A Faculdade Alfacastelo, em São Paulo, abriu as portas em 2000 e há três anos dá aulas de nivelamento, como é chamado esse reforço. Durante o primeiro ano, os calouros chegam 50 minutos antes para aprender gramática, interpretação de texto e matemática. "Vejo problemas básicos, como alunos que não sabem regra de três", diz Celso Britto, diretor institucional. O Centro Universitário Celso Lisboa, no Rio, também investe no resgate de disciplinas do ensino médio. Segundo Bruno Corrêa, coordenador de vestibular, as aulas, que ocorrem desde o início de 2007, reduziram o índice de trancamento dos cursos. "As desistências atingiam 30% das matrículas do primeiro para o segundo período", conta. O secretário de Educação Superior do Ministério da Educação, Ronaldo Mota, reconhece a má qualidade do ensino no País e apóia essas iniciativas. "Sei de casos em que o déficit de ensino foi superado", afirma. Vale lembrar: oferecer aulas de nivelamento (ou adaptação pedagógica) conta pontos para as instituições que as oferecem em avaliações do Ministério da Educação e Cultura (MEC).

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